sexta-feira, 9 de março de 2012

A Ponte ou a Mais Curta História de Amor do Mundo


A história começa num vale. O vale onde tudo foi criado. As flores e os frutos nasceram da água do riacho, que nasceu do vão da terra esculpido pelas mãos do Poder do Mundo. As hortas nasceram do suor dos lavradores e da chuva que caia nas estações. As casas nasceram do conforto desejado dos bandos . As famílias nasceram da procriação. A comida nasceu pela necessidade de sobrevivência que foi entendida pela inteligência. Que chegou aos poucos… Tudo era possível naquele vale até chegar o amor.

O Amor nasceu também nesta história. Foi assim tudo começou. E acabou. Porque foi a mais curta história de amor do mundo.

O riacho estava a jorrar a água dos dias da cheia e os homens drenavam a transparência em direcção ao campo. Ela seria essencial nos dias de seca. “Temos que equacionar o futuro. Ser previdentes e espertos. A natureza não nos ludibriará!...”.


Ele tinha as mãos encardidas e sabia do futuro. O que queria era só com ele, mas sabia como lá chegar. O rio não tinha uma só margem e ele sabia que havia de o atravessar. Escoava o líquido misturado com a terra para o seu lado direito. Nunca para o esquerdo porque era muito coerente e organizadamente metódico. Pensava no amanhã, tirava só o bom partido do ontem. Apesar do vale estar no seu coração não queria criar raízes. Chamava-se Ambição.

Começou a chuvada. Grossos pingos inundaram ainda mais os caminhos e destruíram o trabalho de dias dos homens empenhados em salvar a sua pequena nação. As mulheres queriam o trigo para fazer o pão e os homens tinham que lhes oferecer a condição.

Confusão maior não podia. Até em auxílio as mulheres vieram. Vieram muitas. À chuva, encharcadas nas suas vestes, mas arrebatadas pela agitação.

Uma delas era Ela. Sem dúvida. Era Ela. Aquela que o fez perder o olhar enquanto a sua mão esquerda se prendeu no chão tentando puxar um torrão. Coração. Ela Ajoelhou-se, então, ao seu lado e começou a ajudar. Os pingos gordos escorriam pela sua face e ele tremeu como vara verde ao vento ligeiro.


“ Pára… Pára com o que me estás a fazer, mesmo sem eu saber o que é…”. Amou-a. Amou-a tanto que sorriu e chorou num só instante. Gostou da sua pele, do seu cheiro a palha molhada. Gostou do seu olhar e da sua voz quando ela disse: “ Fico?” Ela queria saber se era ainda tempo de o continuar a ajudar. Haviam passado algumas horas e as outras mulheres tinham já abandonado o ribeiro. E ele tremeu. “Quero-te aqui comigo” pensou. Mas disse : “ sim, podes ir. Não tens que ficar mais. Vai descansar.”

A chuva parou. Ainda encharcada ela beijo-lhe a testa e olhou-o na alma.” Sim, é melhor que eu vá, mesmo que não perceba porquê.” Levantou-se, examinou a nódoa negra do joelho e caminhou em direcção à aldeia.

Já de longe, e ele que não sabia ainda nada de nada antes da bátega de água, acreditou que havia perdido o Amor. Mas havia ganho a liberdade, essa era a outra incómoda e séria certeza. E agora, que a via ao caminhar para a sua casa, para a sua vida de sempre, em direcção aos seus sonhos simples e ao seu dia a dia normal, ele sabia que tinha que alcançar o outro lado do rio e fugir do que o assustava. Custasse o que custasse. Tinha que escolher a outra vida e alcançar o desconhecido. Perdera o que nunca tinha tido e sabia-o.

Levantou-se e passado um ano, na estação seguinte tinha construído uma ponte! A primeira de todas. Foi ele o primeiro a rumar. Partiu de memórias às costas e ainda a viu, a ela, nesse mesmo dia, a lavar a roupa na beira enlameada de um dos caminhos que conduziam ao fim da aldeia. Dirigiu-se a ela, abraçou-a e triste disse: “ És muito difícil… Vê-se nos teus olhos… A tua intensidade apoquenta-me”. Ela deixou cair uma lágrima de açúcar que ele guardou para o caminho. E assim, com esta doçura silenciosa tudo acabou sem nunca ter começado.

O caminho ambicioso mostrou-se lá à frente, a incerteza do Amor ficou para trás. E foi neste vale, que tudo criou e que tudo esqueceu, que apesar de tudo, o Amor acabou por ver nascer as bases da sua fundação.

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