terça-feira, 27 de março de 2012

Assim


Assim é a palavra que melhor define como eu me sinto, quem sou. Porque a forma com o sinto é  estúpida e simplesmente Assim. É esta, e por mais que o tente explicar por palavras, só eu sei o que Assim quer dizer.

E isto é Assim ...

Porque Assim o é, sem mais nem menos. Porque o meu Assim é, diferente dos dos outros. É único, é pessoal e intransmissível. É assim que eu sinto no meu peito, no meu coração, na minha dor, medo e incerteza e é assim que o sei definir através da indefinição.

Assim torna-se uma Palavra Grande, grande em significado, grande em número de batidas cardíacas, grande em importância e sensações.

Assim me encho de Amor, de saudade, de medo, de tristeza. Assim combato o que não gosto, o que me apoquenta, o que me incomoda e diminui. Assim, como só eu o sei fazer, e por vezes nem sequer o faço como deve de ser.

Assim vai passando a vida, como só eu a sei. Assim vejo o mundo inteiro e o cheiro à minha maneira. Assim assisto ao que quero e ao que não quero. 
Assim, deixa de ser palavra. Passa a frase, expressão texto ou livro inteiro. Passa a filosofia de vida, A comando do meu ser.
 É Assim que exorcizo fantasmas e é Assim que arranjo forças para lutar. Todos os dias. 
É Assim que me tenho a mim própria. Desta forma que mais ninguém sabe ou conhece.

Pois... É Assim ! Fugindo do meu  verdadeiro caminho e encontrando outro que se calhar também acaba por ser meu porque Assim o tinha que ser... 

sexta-feira, 9 de março de 2012

A Ponte ou a Mais Curta História de Amor do Mundo


A história começa num vale. O vale onde tudo foi criado. As flores e os frutos nasceram da água do riacho, que nasceu do vão da terra esculpido pelas mãos do Poder do Mundo. As hortas nasceram do suor dos lavradores e da chuva que caia nas estações. As casas nasceram do conforto desejado dos bandos . As famílias nasceram da procriação. A comida nasceu pela necessidade de sobrevivência que foi entendida pela inteligência. Que chegou aos poucos… Tudo era possível naquele vale até chegar o amor.

O Amor nasceu também nesta história. Foi assim tudo começou. E acabou. Porque foi a mais curta história de amor do mundo.

O riacho estava a jorrar a água dos dias da cheia e os homens drenavam a transparência em direcção ao campo. Ela seria essencial nos dias de seca. “Temos que equacionar o futuro. Ser previdentes e espertos. A natureza não nos ludibriará!...”.


Ele tinha as mãos encardidas e sabia do futuro. O que queria era só com ele, mas sabia como lá chegar. O rio não tinha uma só margem e ele sabia que havia de o atravessar. Escoava o líquido misturado com a terra para o seu lado direito. Nunca para o esquerdo porque era muito coerente e organizadamente metódico. Pensava no amanhã, tirava só o bom partido do ontem. Apesar do vale estar no seu coração não queria criar raízes. Chamava-se Ambição.

Começou a chuvada. Grossos pingos inundaram ainda mais os caminhos e destruíram o trabalho de dias dos homens empenhados em salvar a sua pequena nação. As mulheres queriam o trigo para fazer o pão e os homens tinham que lhes oferecer a condição.

Confusão maior não podia. Até em auxílio as mulheres vieram. Vieram muitas. À chuva, encharcadas nas suas vestes, mas arrebatadas pela agitação.

Uma delas era Ela. Sem dúvida. Era Ela. Aquela que o fez perder o olhar enquanto a sua mão esquerda se prendeu no chão tentando puxar um torrão. Coração. Ela Ajoelhou-se, então, ao seu lado e começou a ajudar. Os pingos gordos escorriam pela sua face e ele tremeu como vara verde ao vento ligeiro.


“ Pára… Pára com o que me estás a fazer, mesmo sem eu saber o que é…”. Amou-a. Amou-a tanto que sorriu e chorou num só instante. Gostou da sua pele, do seu cheiro a palha molhada. Gostou do seu olhar e da sua voz quando ela disse: “ Fico?” Ela queria saber se era ainda tempo de o continuar a ajudar. Haviam passado algumas horas e as outras mulheres tinham já abandonado o ribeiro. E ele tremeu. “Quero-te aqui comigo” pensou. Mas disse : “ sim, podes ir. Não tens que ficar mais. Vai descansar.”

A chuva parou. Ainda encharcada ela beijo-lhe a testa e olhou-o na alma.” Sim, é melhor que eu vá, mesmo que não perceba porquê.” Levantou-se, examinou a nódoa negra do joelho e caminhou em direcção à aldeia.

Já de longe, e ele que não sabia ainda nada de nada antes da bátega de água, acreditou que havia perdido o Amor. Mas havia ganho a liberdade, essa era a outra incómoda e séria certeza. E agora, que a via ao caminhar para a sua casa, para a sua vida de sempre, em direcção aos seus sonhos simples e ao seu dia a dia normal, ele sabia que tinha que alcançar o outro lado do rio e fugir do que o assustava. Custasse o que custasse. Tinha que escolher a outra vida e alcançar o desconhecido. Perdera o que nunca tinha tido e sabia-o.

Levantou-se e passado um ano, na estação seguinte tinha construído uma ponte! A primeira de todas. Foi ele o primeiro a rumar. Partiu de memórias às costas e ainda a viu, a ela, nesse mesmo dia, a lavar a roupa na beira enlameada de um dos caminhos que conduziam ao fim da aldeia. Dirigiu-se a ela, abraçou-a e triste disse: “ És muito difícil… Vê-se nos teus olhos… A tua intensidade apoquenta-me”. Ela deixou cair uma lágrima de açúcar que ele guardou para o caminho. E assim, com esta doçura silenciosa tudo acabou sem nunca ter começado.

O caminho ambicioso mostrou-se lá à frente, a incerteza do Amor ficou para trás. E foi neste vale, que tudo criou e que tudo esqueceu, que apesar de tudo, o Amor acabou por ver nascer as bases da sua fundação.

quinta-feira, 1 de março de 2012

A gente só leva da vida a vida que a gente leva



Todos os dias ao acordar uma nova luta começa. Várias camadas de lutas , rectifico.. A luta contra o sono. 
Depois contra a preguiça. A luta contra a loiça suja do pequeno almoço . Depois a luta contra o trânsito, os apitões, os refilões do passar dos dias que se passeiam carrancudos sem sequer conhecer o significado de um verdadeiro passeio…A luta da contagem dos trocos sempre em falta por uns cêntimos para o parquímetro da esquina perto do restaurante onde vamos almoçar e a luta contra a ansiedade da espera enquanto ele ou ela não chegam e ainda não entendemos bem se levámos ou não uma tampa.

Como se ainda não chegasse, a camada aglomera-se com uma catrefada de colegas que nos tentam fazer a folha, com os sentimentos de frustração… porque afinal ser farmacêutico, contabilista, empregado de escritório ou de um qualquer estabelecimento não condizem com os nossos sonhos e até os que têm a sorte de trabalhar na área que escolheram, cedo percebem que a vida dos seus sonhos estava afinal, na hipótese B, que era aquela mesmo ao lado da A, a que acabaram por escolher…

 A Luta  contra o copo de água que acaba. Quando a sede ainda lá está. De líquido e de vida. E o copo sem gota.  A Luta contra o telefone que não pára de tocar e para ter uma voz que condiga com o som do sorriso, mesmo que forçado, para não parecer antipático.  A Luta contra o próprio corpo. Para não engordar, emperrar ou adoecer. Ele que é matreiro e está à espera de nos fazer sofrer qualquer dor ou incomodo menos esperado.  A Luta para ficar bonito, resplandecente, mesmo que por dentro a luz seja pouca e a alma esteja mais na penumbra do que a brilhar de claridade.

 A Luta para escrever. Que limpa a alma.  A Luta para exercitar a mente,  a de nos obrigar a ter paciência para ouvir alto e bom som a nossa música. É que às vezes esquecemos que isso é bom e imprescindível…Limpar as teias de aranha do intelecto com um bom livro ou dedicar-nos a uma qualquer arte, nem que seja decorativa e de segunda… Uma luta que pode vir a dar tréguas. Esta sim , por fazer bem.  A Luta para manter a sensibilidade num mundo que a suga a cada passo que damos. Luta para continuar a sonhar.
A luta ainda por amigos. Pela família.  A Luta para não esquecer os que já partiram, mantê- los presentes em histórias e pensamentos. Lutar  com eles e não contra eles.  E a luta pela vontade de Dar. Ter bondade, dignidade. Lutar para ajudar na saudade que temos de alguém que já não vem…

Mas a luta continua. Sempre. Luta se para Amar e também para ser Amado. Para não ser esquecido no meio de tantas lutas, seres humanos, problemas, notas de 50 euros e notas de supermercado, agendas por cumprir e sensações a descobrir e a aproveitar. A luta para ter uma Vida, um filho, um tesouro, um objectivo traçado ou a traçar. A luta para ser bom no que fazes e não te desiludires a ti e aos outros.

E é assim que vivemos todos os  dias. Assim de repente parece pesado, mas repensando o assunto, parece me bem que é precisamente esta Luta que não nos deixa dormir à sombra sem pensar que o dia de amanhã está única e exclusivamente nas nossas mãos. Ou se vai à luta… ou se é deixado a bezerrar.  E de bezerros está cada vez mais este mundo cheio. Qualquer dia não existem pastos para eles e alguns já andam mesmo entre nós.. Cuidado!


...A gente só leva da vida a vida que a gente leva ...